Brasil: QAnon é um movimento conservador e cristão, minimiza adepto
- Adeildo Velôso da Silva
- 27 de out. de 2020
- 4 min de leitura
Um catalisador de diferentes teorias da conspiração criado nos Estados Unidos, o QAnon ganha cada vez mais adeptos no Brasil, onde muitas pessoas consideram o movimento legítimo por defender valores conservadores e cristãos.

Esta é posição do professor Stuart Linhares, de 55 anos, que segue perfis ligados ao QAnon: "o importante não são as mensagens em si porque as mensagens podem ser verdadeiras ou podem ser equivocadas. O que é importante é a parte, o pilar do QAnon, que é conservador cristão e a luta contra o 'establishment' mundial, que quer um governo único".
"O QAnon em sua estrutura é um movimento legítimo que surgiu porque não podemos bater de frente com as forças, é um movimento de mobilização da opinião pública, pelo que eu entendo. Ele serve para as pessoas verem que estão a ser manipuladas em tudo", acrescentou.
Embora afirme não conhecer nenhum grupo específico ou membro do QAnon no Brasil, o professor defende que o movimento é constituído de perfis e geradores de informação cujo objetivo seria "conscientizar a população que está a ser enganada" pelas elites.
Stuart também explicou que entrou em contacto com o QAnon quando um amigo lhe enviou referências e links na rede social Twitter. A partir daí, começou a acompanhar canais como o Limes Germânicos, atualmente bloqueado pelo Youtube, e outros perfis que propagam teorias consideradas falsas nas redes sociais.
"Analisando de modo cético fui percebendo que algumas coisas tinham fundamento. O QAnon é um movimento que realmente alerta contra um projeto de censura mundial e passei a investigar isto", defendeu Stuart.
"Há agentes controladores de fake news que tem o poder de censurar, de escolher, definir o que pode e o que não pode ser comunicado na internet (...) Estes agentes foram escolhidos pelo próprio Facebook entre [Organizações não governamentais] ONG. Eu sou contra censores de conteúdo", acrescentou.
O movimento QAnon nasceu na extrema-direita norte-americana em 2017 dentro de fóruns na internet, onde um anónimo (QAnon) passou a fazer publicações com informações falsas em que alegava ter informações secretas de agências de segurança sobre um complô liderado por uma elite corrupta formada por pedófilos satanistas que sequestravam e sacrificavam crianças.
Esta elite seria composta por políticos do Partido Democrata como Barack Obama, Hillary Clinton e Bill Clinton, empresários como George Sorus e Bill Gates, a 'media' e até mesmo atores de Hollywood.
De acordo com os adeptos das teorias, Donald Trump teria tomado conhecimento do problema e tornou-se Presidente dos Estados Unidos para travar uma guerra secreta e libertar o país.
No Brasil, a liderança contra forças alegadamente perversas da elite seria comandada pelo Presidente, Jair Bolsonaro, que para Stuart é o único líder que enfrentou famílias políticas poderosas que concentram o poder e impedem o desenvolvimento do país.
"Ele [Bolsonaro] mexeu em algo que nenhum Presidente, nenhum estadista mexeu. Na estrutura do poder. A estrutura nossa do poder está muito clara. Nós o povo normal, que trabalha, que recolhe imposto, [estamos] contra eles, uma elite que está aí [no poder] a mais de 30 anos", defendeu.
Questionado se acredita em acusações veiculadas pelas teorias do QAnon sobre uma alegada rede global que envolveria uma série de instituições, políticos e personalidades da elite mundial ligados a sequestros de crianças e pedofilia, Stuart declarou que tem total certeza da veracidade das acusações e incluiu o Brasil.
"Acho que no Brasil tem muito [pedófilos] A ministra Damares [Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos] mostrou e isto é muito grave. É só você investigar o sumiço das crianças no Brasil", frisou.
"No Brasil ainda não emergiu as coisas, mas tem. Não é normal a quantidade de crianças sequestradas e desaparecidas. Eu creio que há uma rede de pedofilia no Brasil que sequestra crianças. É uma opinião pessoal minha", concluiu.
David Magalhães, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)e membro do Observatório da Extrema Direita, disse à Lusa que elementos de teorias da conspiração presentes no movimento QAnon nos Estados Unidos começaram a ser introduzidos no Brasil por Olavo de Carvalho, um influenciador que inspira setores do Governo Bolsonaro, conhecido por atacar ideias progressistas e partidos de esquerda.
"Essas ideias sobre uma elite internacional, sobre um governo mundial que seria uma espécie de ditadura global voltada para destruir soberanias e diluir identidades religiosas e conservadoras já está circulando com Olavo de Carvalho na direita brasileira há algum tempo", acrescentou.
Odilon Caldeira, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do Observatório da Extrema-direita, avaliou que o facto de o próprio Presidente brasileiro e seu Governo terem uma vinculação muito forte com tendências diversificadas da direita norte-americana, incluindo discursos da alt-right (extrema-direita dos Estados Unidos), ajuda a impulsionar os discursos conspiracionistas no país.
"No Brasil existe um processo da reprodução desta tática, a partir do Governo Bolsonaro porque a medida que este discurso mais radical é articulado, é introjetado, ele acaba suscitando uma vinculação mais particular dos indivíduos com a liderança política", pontuou.
"O discurso conspiracionista auxilia a projetar uma relação dos líderes com as pessoas que acreditam neles, que ultrapassa a arena política. Eles veem nestes líderes mais do que uma representação política no sistema, mas [veem estes políticos] numa dimensão quase religiosa, numa dimensão quase messiânica", acrescentou.
O professor da Universidade Federal de Juiz de Fora pontuou que líderes políticos com influência em grupos de extrema-direita como Bolsonaro usam teorias da conspiração como um elemento de formação e intensificação de apoio político para produzir uma adesão mais fiel.
"Não é de se espantar que o QAnon teve um sucesso em certo sentido no campo da extrema-direita norte-americana. Esse sucesso ajudou a mobilizar muitos militantes e também não é surpresa que setores afeitos ao 'bolsonarismo', ao campo 'bolsonarista', vão utilizar estes discursos", pontuou.
Magalhães, da PUC-SP, lembrou que o Governo Bolsonaro não é homogéneo, ou seja, é formado por diferentes segmentos sendo alguns deles publicamente comandado por adeptos de teorias da conspiração.
"A política externa brasileira é controlada por dois 'olavistas' [pessoas que defendem ideias de Olavo de Carvalho] o Felipe Martins [assessor de política internacional do Governo] e o Ernesto Araújo [ministro das Relações Exteriores] e até mesmo o próprio Eduardo Bolsonaro [filho do Presidente] que é um grande admirador de Olavo de Carvalho", frisou.
"Se pegarmos noutros núcleos do Governo como o dos generais, sabemos que eles não acreditam em nada destas teorias conspiratórias. Ou o núcleo do [ministro Paulo] Guedes que em certa medida é neoliberal cosmopolita também não acredita nisto", acrescentou.
Assim, Magalhães concluiu destacando que as teorias da conspiração ligadas ao QAnon no Brasil encontram terreno fértil e apoio entre pessoas ligadas ao núcleo da política externa, em lideranças evangélicas que defendem pautas anti-aborto e navegam em conspirações sobre pedofilia e setores radicalizados da militância 'bolsonarista'.
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